EBITDA: Qual o real valor desta métrica?
Indicador em moda desde meados da última década, embora muito mais antigo do que alguns imaginam, o EBITDA transformou-se na principal métrica usada por empresas, analistas e investidores para relatar ou avaliar a performance de qualquer negócio.
Transformou-se também no principal múltiplo utilizado na seleção de portfólio, relacionando-se ao “Enterprise Value” ou “Firm Value”. E assim empresas e mercado têm-se guiado para tomar decisões relevantes sobre seus investimentos e, pensando igual, acabam – até certo ponto – condicionando o valor de mercado ao desempenho do negócio em termos de EBITDA. Diante desse quadro, parece perigoso ou, no mínimo insensato, pensar diferente. Mas o que vamos fazer a seguir é exatamente isso: ousar um pouco, para trazer a questão para um plano pretensamente mais técnico.
Conceito e Perspectiva Histórica
EBITDA é sigla de “Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization” que, traduzida para o português, transforma-se em LAJIDA ou “Lucro Antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização”. Seu nome já enuncia sua forma de cálculo:
LUCRO ANTES DO IMPOSTO DE RENDA E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
(+) DESPESAS FINANCEIRAS LÍQUIDAS
(+) DEPRECIAÇÕES
(+) AMORTIZAÇÕES
(=) EBITDA (LAJIDA)
Sua aplicação deve ser feita em conjunto com outros indicadores. É um indicador útil em casos específicos, quando se não dispõe do fluxo de caixa ou quando utilizado como acessório na análise ampla dos componentes do fluxo de caixa.
O uso do EBITDA aplica-se à análise de empresas em situação de insolvência e/ou de empresas formadas por ativos de longa vida útil (como algumas indústrias de capital intensivo), sendo inadequado na análise de empresas em situação normal ou formadas por ativos de curta vida útil, como as indústrias “HI-TEC” cujos ativos se tornam obsoletos em poucos anos. Numa perspectiva histórica, o EBITDA derivou do EBIT, que foi útil décadas atrás quando se estudava operações de underwriting para substituição de passivo oneroso por capital próprio.
Como tais operações envolviam empresas deficitárias, supostamente em razão do alto custo financeiro provocado pelo excesso de endividamento, a primeira averiguação que se fazia era se tal suposição estava correta, isto é, se a única causa do prejuízo era o elevado endividamento. E o EBIT (“Earnings Before Interest and Taxes”), pela sua simplicidade e facilidade de cálculo, por utilizar apenas informações disponíveis nos Demonstrativos de Resultados, permitia deduzir de imediato se a empresa, uma vez capitalizada, seria rentável. Se o EBIT fosse negativo ou insuficiente para cobrir o custo de capital próprio, a operação era descartada. Durante a onda de fusões, aquisições e takeovers dos anos ’80, adaptou-se o EBIT para se justificar certas operações de leverage-buyout, transformando-o no EBITDA, o qual ganhou inadequadamente status de indicador de geração de caixa. Seu uso, porém, ficou restrito a métrica exclusiva desse tipo de operação, tendo sido ignorado pelo mercado de ações e por companhias abertas em seus relatórios. Passada a referida onda, o indicador caiu temporariamente em desuso. A esta altura, empresas abertas americanas e européias já publicavam demonstrativos de fluxo de caixa, municiando o investidor com informações suficientes para o cálculo e o uso de métricas muito mais importantes, como o Free
Cash Flow (Fluxo de Caixa Livre) ou a Geração Operacional de Caixa do próprio fluxo de caixa.
Deve-se destacar que a introdução do EBITDA durante a leverage-buyout mania dos anos ’80 – quando muitas companhias pagavam mais do que o valor de mercado justo pelos ativos que adquiriam – foi feita pelos patrocinadores das operações de leverage-buyout e seus financiadores. Analistas experientes viam o EBITDA, nessas circunstâncias, como uma farsa para enganar desavisados ou inocentes, não como ferramenta de análise capaz de expressar o poder de geração de caixa dos ativos de uma empresa.
Com o passar do tempo, o EBITDA voltou a ser usado como ferramenta de medida de geração de caixa, aplicada de início somente a empresas em situação pré-falimentar e mais tarde a empresas com ativos de longa vida útil, tais como fornos siderúrgicos, torres de rádio-transmissão, etc
A evolução do EBITDA dessa posição de ferramenta válida para negócios no “fundo do poço”, com uso restrito à avaliação de créditos de baixa classificação, para uma nova posição como ferramenta analítica para empresas ainda em seus dias de glória, como ocorre na atualidade, é algo de difícil aceitação por um analista experiente que, sobretudo hoje, dispõe de métricas muito superiores e de comprovada eficiência. Por isso, é normal que este analista experiente se pergunte “como” e “por qual razão” o mercado de ações e as grandes empresas aceitaram tão facilmente o EBITDA como um dos indicadores mais importantes, passando a mostrá-lo em suas análises e
seus relatórios e a utilizá-lo na construção de índices como o “moderno” Firm Value / EBITDA.
Não há uma explicação convincente para o uso generalizado do EBITDA, salvo talvez o desconhecimento ou o interesse em maquiar a empresa para que se mostre mais atraente do que na realidade é. Por trás de tal atitude, fica a dúvida sobre se há algum interesse dirigido por parte de quem o usa ou se apenas se entrou na onda por inexperiência técnica. O forte ressurgimento do EBITDA nos tempos atuais coincidiu com o boom das empresas “PONTO COM” na Nasdaq, o qual foi alimentado, não pelo maior valor intrínseco dessas empresas ou pelo valor
agregado dos serviços por elas prestados, mas pela teia construída por “investidores” de ganho fácil, interessados no IPO (venda, no mercado de ações, da posição detida nessas empresas). Como a farsa não poderia
durar para sempre, um dia esta “corrente da felicidade” se rompeu, a bolha de prosperidade estourou e a Nasdaq desabou. Note-se que, neste caso, havia um interesse dirigido por trás da adoção do EBITDA como métrica para qualquer fim. Um argumento levantado a favor do uso do EBITDA, também dessa época, é o de ser ele um bom indicador para administradores de portfólios globais que investem recursos em ações de empresas de diferentes países emergentes. Como cada um desses países vive sua própria conjuntura econômica, há entre eles diferenças marcantes em suas políticas monetárias e fiscais, vale dizer, em suas taxas de juros e suas alíquotas de impostos. Assim, nada mais lógico do que adotar um indicador como o EBITDA, que, desconsiderando os juros e os impostos locais, pudesse colocar empresas de diferentes países em um mesmo padrão comparativo. E por que desconsiderar a realidade monetária e fiscal de cada país? Porque, com a globalização, haveria uma tendência à unificação de políticas econômicas no longo prazo (uma falácia que vingou temporariamente como “verdade”, graças à união de interesses dirigidos de alguns com a “inocência” ou inexperiência de outros).
Como se vê, o EBITDA nasceu sob a égide de interesses não muito corretos e sua consagração, modernamente, é uma idéia que corre o risco de, a qualquer momento, ficar também refém destes mesmos interesses.
Restrições Técnicas ao uso Generalizado do EBITDA
O Moody’s Investors Services foi uma das muitas instituições que pesquisaram a validade do EBITDA como métrica. Suas conclusões estão reunidas no estudo “Putting EBITDA in Perspective – Ten Critical Failings of EBITDA as the Principal Determinant of Cash Flow”, publicado em 2000. A pesquisa é rica em estudos de casos que mostram Investidores mais sofisticados utilizam o Free Cash Flow (FCF) em substituição ao lucro tradicional, atribuindo àquele maior confiabilidade, porque representa o quanto efetivamente sobra de dinheiro no “caixa” da empresa, depois de se deduzir os investimentos em capital fixo e de giro necessários para
manter o crescimento das vendas, mas antes de pagar seus financiadores: acionistas (dividendos) e bancos (juros). O FCF representa mais fielmente o quanto um determinado “negócio” é capaz de gerar em termos de caixa, antes de distribuir a remuneração a seus financiadores.
1o
. O EBITDA é tão manipulável quanto o Lucro Econômico. A exemplo do Lucro Econômico, o EBITDA é um item manipulável, mesmo sem se desobedecer qualquer regra legal ou contábil. Mudanças de critérios de depreciação e amortização, de avaliação de estoques, de remuneração da Administração, de apropriação de variações patrimoniais de investimentos em controladas, entre outras, são exemplos de como se pode melhorar ou piorar o Lucro e o EBITDA da companhia, sem se quebrar qualquer regra ou lei estabelecida.
2o
O EBITDA ignora as necessidades adicionais de capital de giro indicando um fluxo de caixa superior em períodos
de crescimento destas. Vendas crescentes, na maioria dos casos, implicam maiores necessidades de
recursos de giro para financiar estoques e clientes. Por não considerar tais necessidades, o EBITDA superestima o fluxo de caixa que a empresa é capaz de gerar, comprometendo uma visão realista da situação de liquidez, da capacidade de pagamento e do retorno.
3o
O EBITDA não considera o montante de reinvestimento requerido, o que é especialmente grave no
caso das empresas com ativos de vida útil curta.
Para manter suas vendas e seu retorno, atuando em um mercado competitivo, a empresa precisa reinvestir constantemente recursos na atualização de seus ativos fixos. Quanto mais curta for a vida útil destes, maior a freqüência com que tais reinvestimentos devem ser feitos. Empresas de alta tecnologia, empresas de transportes e várias outras cujos ativos tornam-se obsoletos em curto espaço de tempo correm o risco de perder espaço de mercado ou até desaparecer se não se atualizarem na mesma velocidade dos concorrentes. Empresas de capital intensivo formadas por ativos de longa vida útil, embora se modernizem em espaço de tempo muito maior, quando o fazem, investem somas vultosas, cuja disponibilidade não será problema se recursos equivalentes à depreciação tiverem sido provisionados ao longo dos anos anteriores, formando um fundo de reserva para investimento. O EBITDA, ao desconsiderar a depreciação como uma despesa, sem considerar também as saídas efetivas de caixa para aquisição de capital fixo (como é feito no caso do Free Cash Flow), cria a ilusão de um fluxo de caixa melhor do que na realidade é, algumas vezes transformando a visão de uma realidade crítica de falta de caixa num cenário róseo de excesso de liquidez.
4o
O EBITDA pode ser uma enganosa medida de liquidez. A Geração Operacional de Caixa e o Free Cash Flow são medidas importantes para avaliar a capacidade dos ativos da empresa de gerar recursos financeiros para pagar bancos (juros + pagamento do principal) e acionistas (dividendos) e ainda garantir recursos remanescentes que possam ser acessados a qualquer momento, servindo também como medida de liquidez. Ao confundir-se o EBITDA
com a Geração de Caixa e atribuir-se a ele o poder de medir liquidez comete-se um engano que pode distorcer gravemente a visão da realidade financeira da empresa.
5o
O EBITDA não diz nada sobre a qualidade do lucro.O EBITDA, isoladamente, nada revela sobre a qualidade do lucro da companhia. Ao somar-se a depreciação e a amortização, um EBIT negativo pode transformar-se num EBITDA positivo se aqueles valores forem suficientemente grandes para cobrir o prejuízo e deixar um saldo. Em geral, quanto
maior a proporção do EBIT no EBITDA, maior é o fluxo de caixa. E, ainda, quanto maior a proporção da depreciação no EBITDA, maior a importância de a empresa gastar um montante igual ao valor da depreciação para manter seus equipamentos atuais. Por outro lado, ainda que em geral a amortização possa ser trazida de volta no cálculo do fluxo de caixa, há casos em que há limites para isso. Amortização de despesas diferidas que são recorrentes, de custos capitalizados que seriam mais apropriadamente considerados como despesas ou de valores futuros incertos não deveria ser trazida de volta e, no entanto, é computada indiscriminadamente no EBITDA.
6o
. O EBITDA é uma medida inadequada para ser usada isoladamente no cálculo de múltiplos na aquisição de uma
empresa. O EBITDA é comumente usado como medida para comparar preços pagos por companhias, sendo utilizado como um múltiplo do fluxo de caixa corrente ou esperado da empresa adquirida. Ainda que isso possa servir como
uma “conta de padeiro” (sem qualquer crítica à categoria), é bom lembrar que o EBITDA não corresponde ao fluxo de caixa. Usuários dessa “aproximação” deveriam saber que os múltiplos calculados com o EBITDA criam a
ilusão de um preço de aquisição baixo e menor do que o real. Por exemplo, um múltiplo utilizando o EBITDA de 5 vezes, para uma companhia cujo EBITDA seja composto por 50% de EBITA e 50% de Depreciação, equivale a
um múltiplo substancialmente maior, de 10 vezes, utilizando o lucro operacional mais amortização.
7o
. O EBITDA ignora distinções na qualidade do fluxo de caixa resultantes de diferentes critérios contábeis – nem todas as receitas são caixa. Diferentes critérios contábeis podem ter profundo efeito no EBITDA tornando-o uma
ferramenta pobre na comparação de resultados financeiros entre diferentes empresas.
Políticas de reconhecimento de receitas que têm pouca correlação com entradas de caixa, como as adotadas por vários tipos de empresas que fazem apropriações pelo critério de porcentagem concluída da obra ou do serviço
(empresas de Internet, construtoras, indústrias de equipamentos sob encomenda de longo prazo etc.), podem levar a um distanciamento significativo entre EBITDA e fluxo de caixa.
8o
. O EBITDA não é um denominador comum para critérios contábeis de diferentes países. O EBITDA de uma mesma companhia pode variar dependendo de onde ele é calculado. Cada país, independentemente das diferenças conjunturais, tem seus próprios padrões de contabilidade e as práticas diferem em termos de reconhecimento de receitas, metodologias para capitalizar custos e despesas, reconhecimento de goodwill e depreciação de ativos fixos. Mesmo diferenças modestas podem tornar-se significativas quando a despesa financeira líquida é pequena (com pouco peso na formação do EBITDA).
9o
. O EBITDA oferece proteção limitada quando usado em contratos de associações, cartas de intenções e outros acordos que envolvam limites financeiros de ação. O EBITDA tem sido usado em vários tipos de contratos que restringem o nível permitido de endividamento da empresa envolvida, normalmente compondo índices de cobertura ou de alavancagem (exemplo: “Dívida/ EBITDA” não superior a 6,0 vezes). Tais cláusulas de garantia à outra parte baseiam-se na idéia errônea de que o EBITDA está integralmente disponível para cobrir o custo financeiro, o que, pelo exposto nos itens 2o e 3o., não é verdadeiro. A experiência tem demonstrado que o cumprimento das cláusulas de teste EBITDA não evitam necessariamente os problemas que se queria evitar.
10o
. O EBITDA não é apropriado para a análise de muitas indústrias porque ignora seus atributos únicos. O EBITDA é um indicador exclusivo para empresas de capital intensivo com ativos de longa vida útil. Sua generalização é algo não apropriado. O fato de em seu cálculo não se considerar os atributos específicos de cada atividade, avaliando-se todas elas da mesma forma, traz profundas distorções à análise, sendo exemplos críticos dessas distorções aquelas que se encontram em atividades que estão no extremo oposto da que o indicador melhor se aplica. Dentre esses setores, para os quais o uso do EBITDA é inadequado por não considerar suas particularidades, destacam-se TV a Cabo, Serviços de Paging, Construção Civil, Gás e Petróleo, Transportes, Restaurantes, Serviços de Locação,
Internet, Construção de Redes de Fibras, Serviços Funerários e Cemitérios, Exibições Teatrais, Turismo Timeshare etc., apenas para ficar nos mais críticos. Mas não é só o Moody’s que faz críticas ao EBITDA. A Stock Diagnostics, empresa de pesquisa que desenvolveu um software proprietário, desenhado para estudar as relações lógicas entre as informações econômico-financeiras e a performance do preço da ação no mercado, considera o uso do EBITDA pelos analistas de Wall Street como um expediente para promover ações para um público desavisado. Em sua opinião,
quando um analista ou CFO usa o EBITDA, o que ele está realmente dizendo é: “Isto é o que os lucros poderiam ter sido se não tivéssemos que tomar empréstimos, se não tivéssemos que pagar impostos, se não tivéssemos que investir em nada e se não tivéssemos que amortizar recursos ativados”. E ainda mais: “Por ser um indicador baseado
no lucro, o EBITDA nada tem a ver com o fluxo de caixa”, acrescenta.
Conclusões
O valor que pode ser atribuído ao EBITDA é como ferramenta acessória para ser utilizada em conjunto com outros indicadores e restrita a determinados tipos de empresas ou a empresas em determinadas situações. É preciso ter-se muito claramente que EBITDA não é Geração Operacional de Caixa e não a substitui no fluxo de caixa. Sua aplicação a empresas pré-falimentares faz sentido, porque nessa situação a empresa se vê forçada a suspender investimentos, podendo considerar a depreciação como um recurso disponível; caso contrário, a depreciação é um valor necessário para cobrir investimentos na renovação necessária dos ativos da empresa. Para companhias formadas por ativos de longa vida útil, é possível lançar mão da depreciação, momentaneamente, num curto período de tempo, como se fosse recurso de caixa disponível para outra finalidade qualquer; mesmo assim, tal atitude não pode perdurar e haverá necessidade de se repor no futuro os recursos assim utilizados.
Há certo abuso no uso do EBITDA como indicador isolado, tanto por analistas quanto por companhias. Para se ter uma melhor avaliação da companhia, o Free Cash Flow é uma métrica superior ao EBITDA e deve ser preferido a este, embora também em conjunto com outros indicadores complementares.
por Rubens Marçal *
(*) RUBENS MARÇAL é consultor da FIRB – Financial Investor Relations Brasil. (E-mail: rubens.marcal@firb.com)